domingo, 7 de fevereiro de 2021

Meu corpo, minhas regras: A escolha pela cesárea

Ser mulher não é fácil mesmo! Mal saio de um dilema e já me encontro em outro. Sempre que alguém me pergunta se minha filha vai nascer de parto natural ou de cesárea, já preparo mil justificativas na minha cabeça antes de responder: CESÁREA!

Em uma sociedade tão machista e patriarcal, existem inúmeras regras implícitas, que não precisam ser ditas, porque simplesmente sabemos. Até porque, demorou uma vida inteira pra introjetar em nós tantos preconceitos, que chegamos a duvidar que eles não estavam ali desde sempre, sendo tão nossos.

Ninguém precisou me falar (ao menos não clara e diretamente), mas eu sempre entendi o recado. Pra ser uma mãe, de verdade, você precisa ter seu bebê de parto normal.

Mas esse nunca foi um desejo meu. Passar por toda essa dor e sofrimento, quando há outras opções disponíveis, não é algo que me deixe empolgada. Simplesmente penso não ser necessário.

Nessa hora, os defensores do parto natural vão dizer: mas é mais saudável para o bebê e para a mãe, a recuperação é mais rápida, há uma conexão maior entre a mãe e o filho neste momento.

E eu simplesmente respondo: talvez seja, e que bom que há essa opção, para quem se sentir confortável com a escolha.

Acho incrível se é uma decisão da mulher parir dessa forma, e respeito. Só não é uma escolha minha, e eu também espero ser respeitada por isso, ao invés de me sentir diminuída como mulher e como mãe, por preferir a cesárea.

E foi exatamente assim que me senti por algum tempo. Julgada, criticada. Sobretudo porque nos últimos anos, tenho tentado ser mais consciente do meu lugar e do meu papel no mundo, procurando ser mais ecológica, deixando de comer carne por alguns meses, optando por utilizar fraldas de pano modernas na minha filha.

Até por estar nessa vibe mais “naturalista”, me incomodava o fato de que, de forma alguma, eu cogito ter um parto dito natural. Mas, como num estalo, numa noite dessas, percebi que essa decisão tem muito mais a ver comigo.

Nunca acreditei que o sofrimento seja um mal necessário. Ao contrário, penso que nascemos para ser feliz, descobrir, aprender, da melhor forma possível. E essa visão, muitas vezes, contraria os fortes preceitos religiosos arraigados na nossa sociedade, na qual o sofrimento é supervalorizado como forma de espiar os pecados, e onde, mesmo após 2021 anos, os cristãos ainda não retiraram Jesus Cristo da cruz.

Nesse contexto, quando uma mulher engravida, obviamente, é porque ela fez sexo. E o sexo ainda é um tabu nessa sociedade hipócrita. Assim, essa mulher “pecadora” não é digna de tornar-se mãe, um ser tão sublime e angelical, que tudo faz por seus filhos.

Então, a forma de “purificar” a mulher grávida, tirar dela a culpa, a fim de que ela ocupe essa nova posição, é fazê-la sofrer, sentir uma dor imensa, literalmente rasgar-se ao meio por seu rebento. Somente depois disso é que ela será digna de admiração e respeito.

Mas o homem, que também fez sexo, nenhuma punição sofre. Pelo contrário, é supervalorizado por ser tão viril e fértil.

Acontece que eu não me sinto pecadora por ter feito sexo, nem acho que mereça qualquer punição por isso, ou que precise me submeter a um procedimento extremamente doloroso, porque as outras pessoas pensam que é o certo a fazer.

Não amo menos minha filha por optar pela cesárea. Não sou menos mãe ou menos mulher por isso. Quem vai parir sou eu, é o meu corpo, eu tenho o direito de decidir como desejo que seja nosso parto, e quero ser respeitada por isso.

Minha gravidez tão desejada

Desde a última vez em que meu coração transbordou pra essas linhas, muita coisa aconteceu. E a mais bonita delas é a chegada da minha filha Isis. Estou prestes à dá-la à luz. Quantos anos eu sonhei e esperei esta gravidez!

Com 8 meses, provavelmente completarei 28 anos antes da minha filha nascer. Sem emprego, sem dinheiro, e no contexto da pandemia do Covid-19, incrivelmente não tenho nada para me queixar. Meus pais, meus sogros, meus avós e muitos familiares meu e do meu namorado foram incríveis, e nos ajudam muito. Mesmo sem condições de nos provermos sozinhos, à minha família nada falta. Temos uma casa pra morar, comida na mesa, e muito, muito mais do que precisamos. Mais do que isso, porém, temos um lar, preenchido com muito amor, afeto e respeito.

Há pelo menos cinco anos eu espero nossa filha chegar. Inúmeras vezes já sonhei que era mãe, e acordei sentindo um amor que mal cabia no peito. Eu sabia que ela viria. Só não imaginava que seria uma linda menina. Por dois anos, nos diversos sonhos que tive, em todos eu segurava um menino nos braços. Depois disso, minha expectativa de ter uma menina diminuiu, e comecei a me preparar pra receber meu filho. Pra minha surpresa, quando abrimos o exame de sexagem fetal, estava claramente escrito: sexo feminino!

Que surpresa! De repente, tanta coisa ficou diferente. Eu sou uma mulher consciente do que isso significa, de toda luta e beleza que precisamos carregar ao longo da vida. Já passei por muitas situações que, certamente, seriam evitadas, se eu tivesse nascido homem. E pra uma mãe que ama tanto sua bebê, em um primeiro momento, foi desesperador pensar em tudo que minha filha passaria ao longo da vida, pelo simples fato de ser mulher. Claramente, aposto minhas fichas na certeza de que ela será feminista, e que desde cedo vou prepará-la para a batalha da vida. Aos poucos, então, meu coração vai serenando.

Apenas agora, no último mês de gestação, minha alma encontrou paz, na minha confiança fortalecida na vida. Eu agradeço aos céus a bênção de ser mãe de uma menina, assim como sempre agradeci a bênção de ser tia de duas meninas incríveis. E peço a Deus que dê forças a todas nós.