quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Da janela do meu quarto


Sozinha no meu quarto sento-me diante da janela. O vento esvoaçante sopra em meus cabelos, o sol esquenta minha face e aquece minha alma. Quase inevitavelmente um sorriso curioso se abre, imaginando o que eu poderei encontrar quando abrir os olhos. Um mundo que eu posso imaginar, posso ver, mas talvez nunca possa desvendar.

Mesmo assim persisto, fascinada por esse mistério. De alguma forma eu sei que o que me faz sentir viva, de uma maneira tão forte que me faz queimar por dentro, também está presente nas pessoas do outro lado da janela. 

Penso em quantas histórias já se passaram em quantas janelas. Janelas altas dos prédios de onde eu posso ver o a cidade toda ou baixas que dão de frente para a casa dos meus vizinhos. Janelas com vista para lindos jardins ou que dão de frente para um muro. Grandes janelas que me dão uma ampla visão ou ainda uma pequena fresta do vitrô do banheiro. 

Têm as de madeira; as de ferro; aquelas que são uma porta dividida ao meio com apenas a parte de cima aberta; também de vidro que mesmo fechadas permitem enxergar através delas; as de avião, nas quais parece até dar para ver as nuvens derretendo e tudo parece tão pequenino visto lá de cima; janelas de ônibus, carros, trens, pelas quais a paisagem é que da a impressão de ir depressa. 

Lembro-me de um tipo especial de janela, aquele que acorrenta a alma e muito mais do que ver a vida do outro lado, faz refletir sobre os caminhos da própria vida. São aquelas que têm grades, as das prisões. Ao mesmo tempo imagino como elas fazem sonhar com a liberdade.

Já outras pessoas, se sentem tão livres, que acham que podem voar das janelas, como se tivessem asas e acabam descendo o mais que podem. Talvez por isso, em prédios muito altos, outros tipos de grades, as de segurança, roubam um pouco de liberdade também.

Mas muitas vezes, ficar à janela pode trazer sentimentos que fazem o coração palpitar. Muitas moças que esperavam que seus pretendentes as avistassem debruçadas na janela inspiraram bonecas artesanais apelidadas “namoradeiras”. Elas têm apenas cabeça, ombros, braço e busto e ficam sobre uma superfície plana, com o rosto apoiado em uma das mãos, em sinal de espera. Uma homenagem singela a um gesto que com certeza rendeu muitas histórias.

Também me vem à cabeça a imagem de senhoras sentadas em suas cadeiras de balanço em um final de tarde em uma cidade pequena, comendo bolo de milho carinhosamente preparado e tomando um café bem forte, dos quais é possível sentir o cheiro fresco e quente ainda da rua. Saindo do trabalho, ao passar em frente à janela, não tanto pela fome, mas pela água na boca, apresso os passos para chegar logo em casa, esperando que minha mãe também tenha preparado algo que eu possa não simplesmente comer, mas apreciar.

Essas senhoras continuam lá sentadas, porém com o olhar atento, na tentativa de captar todos os movimentos de cada um que por ali passa. Com alguma dificuldade, procuram encontrar algo novo, que possa ser comentado, em uma prosa para acompanhar o bolo de milho e o café. Pode parecer algo até sem importância, mas se a conversa for enviesada pelo caminho certo, as conclusões podem ser esclarecedoras, não apenas para as doces senhoras, e sim para a humanidade, se ela seguisse suas recomendações. Pelo menos é no que elas acreditam. Talvez seja só mais um simples diálogo, ou também um olhar mais atencioso e acalentador sobre a sociedade.

Há dias em que todos se movimentam até o parapeito da janela. Seja para ver o show que acontece na praia, ou para ver o bloco de carnaval passar, como se estivesse em um camarote particular. Assistir a um cortejo, desfile, carreata, procissão, passeata. Gritar para mostrar aos vizinhos como está feliz com a vitória do seu time e quem sabe até pendurar uma bandeira lá, principalmente se for torcida da seleção brasileira em época de copa do mundo.

O que chama a atenção pode não estar propriamente na janela, mas abaixo dela. O  romantismo de rapazes apaixonados já motivou muitas serenatas. Algumas de um homem solitário e seu violão e outras de vários amigos e um em especial que queria cantar e encantar o coração de alguma moça. Os vizinhos, caso não fossem tão românticos, é que poderiam ficar um tanto aborrecidos, principalmente porque as serenatas eram feitas à noite em sua maioria. Mas no amor, é válido.

As janelas invadem até o imaginário das crianças, principalmente das meninas, que sonham com o príncipe encantado. As princesas estão sempre aprisionadas no quarto mais alto da torre mais alta esperando o resgate dos amados. E a Rapunzel, muito esperta, aproveitava a janela, que era a única entrada e saída para o seu quarto, para jogar suas longas tranças para o príncipe subir e se encontrarem. 

Enquanto uns entram, outros saem. São várias as situações em que se foge pela janela. Alguns vão embora com o amor da sua vida. Outros escapam por uma noite para ir a uma festa. E há também os ricardões que pulam a janela para fugir dos maridos que chegam mais cedo em casa.

A utilidade da janela realmente deve ser ressaltada. Além de seu uso nos momentos de desespero, alguns a utilizam para pendurar roupas, algumas vezes até peças íntimas, por mais estranho que possa parecer, é comum, principalmente quando se mora em apartamento. Algumas peças, no entanto, têm um significado diferente, se for um pano preto, por exemplo, pode ser sinal de luto. E para alegrar a vista, muitos a enfeitam com flores.

Em uma janela em especial é possível fazer quase tudo que a imaginação permite. Nela podemos inventar, construir e criar nossos sonhos. Através dela podemos entrar em contato com as pessoas mais distantes, podemos ver e ouvir, mas não tocar. Conhecemos cidades, países, pessoas diferentes das que estão nas janelas à nossa frente e viajamos sem sair de onde estamos. De frente para ela, estamos em vários lugares ao mesmo tempo e não saímos do lugar. Ela é a janela virtual.

Abrir a janela virtual, assim como qualquer outra, significa abrir-se para o mundo, ver e deixar que te vejam. O mais importante é que você escolhe. Escolhe o quanto quer se relacionar, trocar, o que tem a oferecer e o que deseja receber nessa experiência. Pode escolher se sua vista vai ser para a cidade toda, para a rua, para a casa do vizinho que você gosta ou da sua melhor amiga. Pode ainda decidir quando abrir ou fechar sua própria janela, selecionando seus momentos.

O medo faz com que fechemos a janela. Nas noites escuras, o desconhecido parece nos fragilizar e sentimos a necessidade de ficar trancados, acreditando que estamos em segurança. No entanto, uma fresta de luz do sol em meio à escuridão do quarto faz com que tenhamos vontade de escancarar a janela para aproveitar o lindo dia que brilha lá fora.

Abro a janela do meu quarto, timidamente vou puxando a cortina, sinto o cheiro de terra molhada que vem lá de fora. É a chuva se aproximando. Ouço o barulho do trovão e chego a me arrepiar, debruço-me sobre ela de braços abertos e começa a chover. A água invade a casa, molha os móveis, o chão e a mim; abro a boca e tento distinguir o gosto da água da chuva das outras águas, mas me parece igual. Por alguns segundos, não penso em mais nada.  Minhas roupas molhadas e o vento me fazem sentir frio. Fecho então a janela, de alma lavada.

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