Sozinha no meu quarto sento-me diante da janela. O vento esvoaçante
sopra em meus cabelos, o sol esquenta minha face e aquece minha alma. Quase
inevitavelmente um sorriso curioso se abre, imaginando o que eu poderei
encontrar quando abrir os olhos. Um mundo que eu posso imaginar, posso ver, mas
talvez nunca possa desvendar.
Mesmo assim persisto, fascinada por esse mistério. De alguma forma eu
sei que o que me faz sentir viva, de uma maneira tão forte que me faz queimar
por dentro, também está presente nas pessoas do outro lado da janela.
Penso em quantas histórias já se
passaram em quantas janelas. Janelas altas dos prédios de onde eu posso ver o a
cidade toda ou baixas que dão de frente para a casa dos meus vizinhos. Janelas
com vista para lindos jardins ou que dão de frente para um muro. Grandes
janelas que me dão uma ampla visão ou ainda uma pequena fresta do vitrô do
banheiro.
Têm as de madeira; as de ferro; aquelas
que são uma porta dividida ao meio com apenas a parte de cima aberta; também de
vidro que mesmo fechadas permitem enxergar através delas; as de avião, nas
quais parece até dar para ver as nuvens derretendo e tudo parece tão pequenino
visto lá de cima; janelas de ônibus, carros, trens, pelas quais a paisagem é
que da a impressão de ir depressa.
Lembro-me de um tipo especial de
janela, aquele que acorrenta a alma e muito mais do que ver a vida do outro
lado, faz refletir sobre os caminhos da própria vida. São aquelas que têm
grades, as das prisões. Ao mesmo tempo imagino como elas fazem sonhar com a
liberdade.
Já outras pessoas, se sentem tão
livres, que acham que podem voar das janelas, como se tivessem asas e acabam
descendo o mais que podem. Talvez por isso, em prédios muito altos, outros
tipos de grades, as de segurança, roubam um pouco de liberdade também.
Mas muitas vezes, ficar à janela pode
trazer sentimentos que fazem o coração palpitar. Muitas moças que esperavam que
seus pretendentes as avistassem debruçadas na janela inspiraram bonecas
artesanais apelidadas “namoradeiras”. Elas têm apenas cabeça, ombros, braço e
busto e ficam sobre uma superfície plana, com o rosto apoiado em uma das mãos,
em sinal de espera. Uma homenagem singela a um gesto que com certeza rendeu
muitas histórias.
Também me vem à cabeça a imagem de
senhoras sentadas em suas cadeiras de balanço em um final de tarde em uma
cidade pequena, comendo bolo de milho carinhosamente preparado e tomando um
café bem forte, dos quais é possível sentir o cheiro fresco e quente ainda da
rua. Saindo do trabalho, ao passar em frente à janela, não tanto pela fome, mas
pela água na boca, apresso os passos para chegar logo em casa, esperando que
minha mãe também tenha preparado algo que eu possa não simplesmente comer, mas
apreciar.
Essas senhoras continuam lá sentadas,
porém com o olhar atento, na tentativa de captar todos os movimentos de cada um
que por ali passa. Com alguma dificuldade, procuram encontrar algo novo, que
possa ser comentado, em uma prosa para acompanhar o bolo de milho e o café.
Pode parecer algo até sem importância, mas se a conversa for enviesada pelo
caminho certo, as conclusões podem ser esclarecedoras, não apenas para as doces
senhoras, e sim para a humanidade, se ela seguisse suas recomendações. Pelo
menos é no que elas acreditam. Talvez seja só mais um simples diálogo, ou
também um olhar mais atencioso e acalentador sobre a sociedade.
Há dias em que todos se movimentam até o parapeito da janela. Seja para
ver o show que acontece na praia, ou para ver o bloco de carnaval passar, como
se estivesse em um camarote particular. Assistir a um cortejo, desfile,
carreata, procissão, passeata. Gritar para mostrar aos vizinhos como está feliz
com a vitória do seu time e quem sabe até pendurar uma bandeira lá,
principalmente se for torcida da seleção brasileira em época de copa do mundo.
O que chama a atenção pode não estar
propriamente na janela, mas abaixo dela. O romantismo de rapazes
apaixonados já motivou muitas serenatas. Algumas de um homem solitário e seu
violão e outras de vários amigos e um em especial que queria cantar e encantar
o coração de alguma moça. Os vizinhos, caso não fossem tão românticos, é que
poderiam ficar um tanto aborrecidos, principalmente porque as serenatas eram
feitas à noite em sua maioria. Mas no amor, é válido.
As janelas invadem até o imaginário das
crianças, principalmente das meninas, que sonham com o príncipe encantado. As
princesas estão sempre aprisionadas no quarto mais alto da torre mais alta
esperando o resgate dos amados. E a Rapunzel, muito esperta, aproveitava a
janela, que era a única entrada e saída para o seu quarto, para jogar suas
longas tranças para o príncipe subir e se encontrarem.
Enquanto uns entram, outros saem. São
várias as situações em que se foge pela janela. Alguns vão embora com o amor da
sua vida. Outros escapam por uma noite para ir a uma festa. E há também os
ricardões que pulam a janela para fugir dos maridos que chegam mais cedo em
casa.
A utilidade da janela realmente deve
ser ressaltada. Além de seu uso nos momentos de desespero, alguns a utilizam
para pendurar roupas, algumas vezes até peças íntimas, por mais estranho que
possa parecer, é comum, principalmente quando se mora em apartamento. Algumas
peças, no entanto, têm um significado diferente, se for um pano preto, por
exemplo, pode ser sinal de luto. E para alegrar a vista, muitos a enfeitam com
flores.
Em uma janela em especial é possível fazer quase tudo que a imaginação
permite. Nela podemos inventar, construir e criar nossos sonhos. Através dela
podemos entrar em contato com as pessoas mais distantes, podemos ver e ouvir,
mas não tocar. Conhecemos cidades, países, pessoas diferentes das que estão nas
janelas à nossa frente e viajamos sem sair de onde estamos. De frente para ela,
estamos em vários lugares ao mesmo tempo e não saímos do lugar. Ela é a janela
virtual.
Abrir a janela virtual, assim como
qualquer outra, significa abrir-se para o mundo, ver e deixar que te vejam. O
mais importante é que você escolhe. Escolhe o quanto quer se relacionar,
trocar, o que tem a oferecer e o que deseja receber nessa experiência. Pode
escolher se sua vista vai ser para a cidade toda, para a rua, para a casa do
vizinho que você gosta ou da sua melhor amiga. Pode ainda decidir quando abrir
ou fechar sua própria janela, selecionando seus momentos.
O medo faz com que fechemos a janela.
Nas noites escuras, o desconhecido parece nos fragilizar e sentimos a
necessidade de ficar trancados, acreditando que estamos em segurança. No
entanto, uma fresta de luz do sol em meio à escuridão do quarto faz com que
tenhamos vontade de escancarar a janela para aproveitar o lindo dia que brilha
lá fora.
Abro a janela do meu quarto,
timidamente vou puxando a cortina, sinto o cheiro de terra molhada que vem lá
de fora. É a chuva se aproximando. Ouço o barulho do trovão e chego a me
arrepiar, debruço-me sobre ela de braços abertos e começa a chover. A água
invade a casa, molha os móveis, o chão e a mim; abro a boca e tento distinguir
o gosto da água da chuva das outras águas, mas me parece igual. Por alguns
segundos, não penso em mais nada. Minhas roupas molhadas e o vento me
fazem sentir frio. Fecho então a janela, de alma lavada.