quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Nossa alma é nosso lar


Fecho o livro, já estamos quase chegando. Apressada, corro à porta e espero alguns instantes. Ela se abre e eu sei que finalmente estou quase de volta ao lar! Olhos espertos (como de pomba, já diz meu avô), certifico-me de que posso atravessar. Os dedinhos já apertados na sapatilha pedem descanso, a mochila nas costas, em um ombro só, agora parece um pouco mais pesada, e a calça jeans já prende minha circulação. A passos rápidos, apresso-me na direção, não sem contemplar a beleza do pôr do sol qual feito uma criança agradecida a Deus pelo belo espetáculo.

Assim, lá se vão duas quadras. Quando viro a esquina, a rua vazia, e então a árvore na calçada de casa parece ter crescido aos meus olhos. Como um corredor que aspira à placa de chegada, corro em sua direção com o coração farto de alegria. Os pés agora deslizam com mais facilidade na rua onde recentemente os trabalhadores da prefeitura taparam os buracos. Diferentemente, a calçada de casa já está em pedaços, como coração mal amado, por cauda da raiz da frondosa árvore, e eu acho até charmoso.

Quando levanto os olhos, já posso ver nossa velha casinha de madeira azul da cor do céu e, ansiosa por ir ao seu encontro, coloco as pequenas mão no frio da grade de ferro, abrindo o caminho. Tiro os sapatos, e nos pequenos metros que nos separam, vou sentindo o cheirinho de verde, e a maciez da grama – como quem pisa em uma nuvem. De repente meus ouvidos escutam um barulho bem familiar, e posso ver correndo na minha direção o cachorro que late com alegria pela minha volta e traz entre os dentes seu brinquedo.

Após uns minutos de afagos, abraços e brincadeiras, amenizada a saudade, prossigo a caminhada nos poucos metros que nos separam. Sua madeira desgastada guarda tanta vida, tanta história! Pois recordando o passado sei que meus avós te construíram com as próprias mãos e suor e, depois de muitos anos, foram meus tios, meus pais, amigos e até um pouquinho eu quem te demos cara nova, de cor azul e pisos brancos, como o vestido novo de uma dama, tecido à mão com carinho. Tudo isso pra combinar com o jardim de flores e as plantas que te cercam. Com a terra molhada que inebria o ar quando chove. Com a terra fértil onde tudo que se planta se colhe.

Talvez sejamos inspirados por ela que nesses anos todos resolvemos plantar tanto amor dentro de ti. Por isso então que mais do que construir paredes, edificamos o lar dentro dos corações da nossa família. Só isso explica porque ao entrar meu coração bate mais forte e eu finalmente posso me sentir em paz num lugar tranquilo.

Até que uma pergunta me vem à mente, recordando da placa de vende-se que há pouco pairava nas grades do seu portão. Como? Nenhum dinheiro seria capaz de trazer à tona tantos sentimentos bons. E, provavelmente quem te comprasse te daria destino certo. Faria cair por terra nossos sonhos, e te derrubaria ao chão para construir uma casa mais moderna em seu lugar.

De que importa? Quem sabe você seja um pouco como nós, humanos, pelos quais a agente edifica o amor na alma e mesmo quando a morte nos assole, ele estará vivo em nós. Permaneceriam as recordações dos bons momentos aqui vividos.

Porque nós somos tais quais casas, construídas com suor esforço e muito trabalho, proviemos de um material divino. Ficamos velhos e um dia já não servirá mais este grosso envoltório que nos compõe. Mas ainda sinto que, nesse dia, no dia em que a matéria não importe mais tanto assim, seremos mais ricos. Porque não são as máquinas, nem as pessoas, nem o tempo ou a vida que destruirão tudo que somos  e fizemos de bom, pois eles já estarão pra sempre edificados em nós. Nosso corpo é nossa casa, mas nossa alma é nosso lar!

segunda-feira, 28 de março de 2016

Viva a Vida!

 
Na correria do nosso dia a dia sempre faltam horas e sobram afazeres. Estudar trabalhar limpar a casa cuidar das crianças fazer compras pagar contas ficar bonita manter-se saudável malhar. Ufa! É tanta coisa que só de pensar já passa um filme na nossa cabeça e um frio na barriga. E como é bom ao final do dia considerar-se cumpridor de todos os deveres. Excelente! Mas, amigo, abra os olhos. A VIDA É MUITO MAIS QUE ISSO. E a pergunta que não quer calar é: o que realmente importa quando chegamos ao fim dela?

Serão os almoços em família e os aniversários de criança que perdemos porque tínhamos uma prova ou um trabalho importante a fazer? Ou ainda todo aquele dinheiro na conta do banco que poderíamos ter gasto em uma viagem inesquecível? Talvez seja aquela conversa na varanda em um fim de tarde que não existiu porque estávamos cansados demais pra passar um tempo conversando com quem a gente ama? Ou a sobremesa deliciosa que deixamos de comer por causa da dieta fitness?

Não, eu não estou dizendo que precisamos jogar para o alto todas as nossas responsabilidades e fazer apenas o que nos é prazeroso. Longe de mim! É claro que precisamos trabalhar ou não teremos dinheiro para sobreviver, precisamos estudar ou não vamos adquirir todo conhecimento do qual necessitamos. Eu só acredito que, entre tantos deveres, deveríamos lembrar o direito que temos de ser feliz.

Afinal, no fim da vida o que realmente importa são esses pequenos instantes. São eles que nos proporcionam desfrutar de doces recordações e reviver esses prazeres. É o momento que passamos com nossa família, o riso solto das piadas que podem nem ser tão engraçadas assim, aquele mico que na hora faz a gente querer enfiar a cabeça num buraco mas que depois vira diversão. São as histórias que teremos pra contar.

É como uma colcha de retalhos na qual costuramos um pedacinho todo dia. O álbum de fotos que guarda as recordações que por vezes nossa cabeça esquece. A carta de um amigo querido que nos emociona a cada palavra. A canção que serviu de trilha sonora para o romance.

A travessura malsucedida, a fuga cinematográfica e o castigo ainda mais digno de filme. O tombo que você levou quando aprendemos a andar de bicicleta e o machucado que não sarava porque você tirava sempre a casquinha. O flashback que foi de Bonde do Tigrão à É o Tchan em que você dançou todas as coreografias. O videokê em que seu tio cantava panela velha e você Sandy e Júnior ou Mamonas Assassinas. A cumplicidade das suas amigas que iam com você comprar absorvente e te ajudavam a escondê-lo em várias sacolas dentro da bolsa. O tampo do dedo que você perdeu marcando aquele golaço na pelada do asfalto. A franja que ficou mais curta do que deveria. A primeira vez na praia olhando a imensidão daquele mar sem fim. Os infindáveis meses estudando pro vestibular; a decepção de não ter passado e a alegria da aprovação. O primeiro salário do primeiro emprego. A rosa que ganhou do namorado acompanhada de um bilhete super fofinho. A briga com seu melhor amigo e a alegria da reconciliação. O dia em que descobre que tudo que seus pais fizeram foi realmente pensando no seu bem, mesmo eles não sendo perfeitos como você e todo mundo também não são. E o muito mais que anda há pra ser vivido. Tudo isso faz o que você é.

Dizem que, no último instante, fazemos uma retrospectiva de tudo que já vivemos. E daí pode surgir o arrependimento justamente por não ter vivido como gostaríamos. Então, não espere o momento em que não se possa mais recomeçar (não nesta vida), e faça hoje o que amanhã você desejará ter feito.

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

O que importa é quem eu sou


Sabe quando você sempre teve certeza do que quer, mas percebe que o caminho não será nada fácil? Pois é. Eu sempre quis fazer Direito. Meu sonho sempre foi ser advogada. E demorou alguns anos, mas eu finalmente consegui entrar em uma universidade pública. Mas sempre tem aqueles dias em que a gente se pergunta: é isso mesmo? E bate aquela insegurança de não saber se conseguirei ser a profissional excelente que sempre imaginei.

Estou de férias. Mas como ano passado foi de greve, só tive mesmo natal e ano novo. E enquanto os outros curtem um merecido descanso, meus dias são cheios de trabalhos e estudos para prova. Chega uma hora que cansa, e embora eu ainda tenha certeza que é isso que eu quero, bate aquela deprê de leve. E eu tenho que lembrar que, por vezes, tudo que eu mais sonhei e desejei com toda minha alma era estar onde estou agora, passar pelas dores e as delícias dos meus dias de acadêmica.

Talvez eu já soubesse que seria assim. Minha mãe bem que avisou: quem faz Direito tem que ler muito! E, como sempre, ela estava certa. O problema é que tem tantas outras coisas com as quais consumo meu tempo que nem sempre arranjo espaço na agenda pros livros da faculdade e, assumo vergonhosamente, acabo recorrendo aos resumos. Sempre adiando.. até o fim do semestre eu leio.. até o fim do curso... talvez dê pra ler até o fim da vida.

É tanta coisa, que eu me sinto culpadíssima e uma péssima estudante e isso faz vir à mente aquela perguntinha que insiste em mexer comigo: “que tipo de advogada eu serei”? Pois se o meu cliente precisar de uma informação destes livros e eu não tiver lido dos ditos cujos, não terei feito a lição de casa. E às vezes até mesmo a vida de alguém fica nas mãos do advogado. Não é uma brincadeira. É mais sério do que se imagina. Há muita responsabilidade envolvida.

Nesse momento, pra iludir meu coração e tentar aliviar minha consciência, nivelo por baixo. Pois sei que tem muitos colegas que não fazem nem metade do meu esforço e sequer estão preocupados com isso. O importante é só ter o diploma nas mãos para mostrar aos pais e o salário gordo na conta no fim do mês. Mas não consigo me enganar. Não é com eles que eu tenho que me comparar ou me preocupar. Tenho sim que seguir o exemplo daqueles que se esforçam para dar sempre o seu melhor, e conseguem.

E no meio de todos esses pensamentos, apenas o que eu sinto é capaz de acalentar meu espírito. É que dentro do meu coração eu guardo a certeza de que esta é a profissão que dá sentido à minha batalha, e pela qual eu vou lutar com todas as minhas forças. A esperança e a vigilância que irão para sempre caminhar comigo, para que eu jamais me esqueça dos meus ideais e nunca me deixe corromper, vendendo valores por dinheiro.

O lugar que eu quero estar é lá no tribunal, defendendo uma pessoa e uma causa que eu acho justas. Lutando contra o mundo se necessário apenas para fazer o que considero certo e digno. Dar a mão amiga a quem não tinha nenhuma esperança e poder devolver o brilho aos olhos dele. Estar do lado mais fraco e fazê-lo forte. Sim; é isso que eu sempre quis e continuo querendo.

E não é uma questão de brincar de Deus. Ou de condenar o outro. Está mais para aprender juntos. Manter o que for bom e consertar o que está errado. Olhar o horizonte e trilhar uma boa direção. Dormir um sono tranquilo à noite, com a sensação de que fiz o melhor que eu podia. É confiar em Deus e saber nunca estamos sós quando decidimos fazer o bem.

E por fim, talvez mais importante que tudo isso que eu disse, não achar que eu sou minha profissão, e lembrar que ela é uma parte de mim que transborda. Não é a toga, os livros enormes, ou o tribunal que fazem de mim uma mulher de bem. É o carinho e o respeito com os quais eu trato quem me cerca, são as pequenas boas ações do meu dia a dia, é o abraço e o beijo carinhoso nos meus familiares, é o sorriso e os braços abertos para os meus amigos. É ser luz onde eu estiver.

Por algum tempo me enganei, achei que ser advogada era o que de mais importante eu poderia fazer na vida. Quanta cegueira e pretensão! Não se trata do que eu faço e sim de quem eu sou. O bem e o amor podem estar em todos os lugares. Eu só devo aproveitar a profissão com a qual ganharei meu pão e torná-la alento para o coração dos meus irmãos.

Tem que fazer direito


“Pra ter sucesso, amor, tem que fazer direito!”, já dizia a grande pensadora contemporânea Valesca Popozuda. E eu decidi ouvir este sábio conselho, pois, pelo menos pra mim ele foi válido.

Isso porque desde que me entendo por gente, sempre fui apaixonada pelo mundo jurídico. Era só assistir ao noticiário policial na TV que eu corria para estudar o caso. Fazia ao mesmo tempo a acusação e a defesa do réu e ainda batia o martelo no meu veredito como juíza.

Mas a vida nem sempre segue o rumo que imaginamos. E, sem dinheiro para pagar uma universidade particular (que há alguns anos era bem menos acessível), fui aprovada no vestibular para Jornalismo na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e decidi cursar, na esperança de me apaixonar pela profissão.

Só que paixão a gente não escolhe. Só sente. E quando o coração da gente se apaixona fica frágil fácil de se entregar, se o amor é forte, puro e verdadeiro, não há nada que destrua, passe o tempo que passar.

Ah, e eu me apaixonei pelo Direito. Foi meu primeiro e grande amor (mas nossa relação é estritamente profissional).